sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Carnaval, futebol e... greve


No dia 03 de junho de 2011, bombeiros invadiram um Quartel General no Rio de Janeiro, reivindicando melhores salários. O ato extremo se deu após meses de tentativa frustrada de negociação com o Governo, pois a categoria considerava impossível sobreviver dignamente com R$ 943,00. A iniciativa dos trabalhadores obrigou o governador Sergio Cabral a melhorar os seus salários.
Neste fevereiro, faltando poucos dias para o carnaval, a polícia militar da Bahia começa uma greve com as mesmas reivindicações dos bombeiros do Rio. O caos se instala. Um número histórico de homicídios é registrado: 180 mortos em 11 dias de greve. As Forças Armadas e a Polícia Federal são convocadas para reforçar a segurança. O governo não cede. Os policiais militares, civis e bombeiros do Rio também ameaçam parar. O clima é de guerra civil.
Há, entretanto, uma larga diferença entre o movimento dos bombeiros do Rio e dos policiais da Bahia: aqueles contavam com o total apoio da população. Artistas gravaram mensagens em prol da sua anistia, veiculada pela televisão. O povo usou roupas vermelhas para expressar solidariedade a eles. Os baianos foram hostilizados após a divulgação, pelo governo do estado, de uma gravação em que os líderes da greve tramavam delitos, sendo suspeitos, inclusive, de 25 das 180 mortes ocorridas no período.
Foto: trip2gether/Flickr
Mesmo sendo um problema nacional, o governo está irredutível e evita a discussão. Fala-se em Carnaval, Copa do Mundo, reformas de estádios – mas não se cogita melhorias na segurança pública. O Congresso Nacional já avisou que não pretende discutir a PEC 300, que visa mudar a Constituição Federal, criando um piso salarial de R$ 3.500,00 para os policiais.
A greve é direito fundamental, assegurado no Brasil desde a Constituição de 1967 – antes disso, era tida como um ato de rebeldia, severamente punido -, tendo ganhado maior abrangência com o advento da Carta de 1988, que concedeu ao trabalhador um direito que o protege dos abusos sofridos no ambiente de trabalho. Ocorre, todavia, que o direito de greve não alcança a polícia. Embora tenham reivindicações justas, a greve do pessoal da área de segurança pública é inconstitucional. A atividade policial é serviço público essencial para a preservação da vida das pessoas e da ordem pública, valores imprescindíveis à própria sobrevivência do Estado Democrático de Direito.
A maneira adequada de solucionar o impasse seria levar as reivindicações às Câmaras dos Deputados, como todas as outras categorias, pois é o meio constitucional e legal de se pleitear reajuste de salário. Diante dessa crise, é preciso que a sociedade atente para a importância dos profissionais da segurança pública e inicie um debate profundo sobre a necessidade de melhorias no setor, sendo que a remuneração deve ser compatível com a atividade, até para evitar falta de dedicação exclusiva e a corrupção.
As decisões das polícias da Bahia e do Rio não se deram ao acaso: foram propositalmente planejadas para acontecer nos dias que antecedem o carnaval, decisão estratégica para pressionar os governos. Se nenhuma providência for tomada imediatamente, é bem provável que nos deparemos com a mesma situação às vésperas da Copa do Mundo.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Chico, o CNJ e a busca pela Democracia

Democracia é o sistema de governo onde o povo tem o poder de tomar decisões, tendo como base os princípios de liberdade de expressão e dignidade humana. Desde que surgiu, em Atenas, o regime sofre tentativas de deturpação da sua essência nos diversos países onde é adotado. No Brasil, houve recentemente mais uma grande polêmica neste sentido. Em setembro, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, disse que há “bandidos escondidos atrás da toga” (referindo-se aos maus juízes), em protesto contra o risco do Conselho ver sua função principal de fiscalizar esvaziada.
Tal declaração causou alvoroço entre os membros do Judiciário e indignação na população, já que, entre os três poderes da República, este sempre nos pareceu o mais transparente e confiável. A partir de então, as questões do Judiciário saíram do biombo e foram para as ruas, jornais e redes sociais. Desencadeou-se uma grande mobilização em prol da fiscalização eficiente deste poder.
A Constituição Federal do Brasil é muito bem escrita, os direitos e fundamentos da democracia estão dispostos de maneira magistral. E, como não poderia deixar de ser, há previsão de fiscalização nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para a fiscalização do Poder Judiciário, foi criado o CNJ em 2004 (Emenda Constitucional nº 45). De acordo com a Constituição Federal, cabe ao CNJ controlar a atuação administrativa e financeira dos demais órgãos daquele poder, bem como supervisionar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Desde a declaração de Eliana Calmon, começou a transparecer a batalha, antes velada, entre alguns membros da magistratura e o CNJ – aqueles para limitar a fiscalização do Poder Judiciário e este na luta pela manutenção do seu direito constitucional.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao STF (a Corte Maior do Estado Brasileiro) em 2010 para questionar a Resolução nº 135 do CNJ, com o objetivo de impedir a investigação de juízes por desvio de conduta. Em dezembro, o Ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar (análise antecipada do pedido principal) para frear o poder fiscalizatório do CNJ e restringir a fiscalização às corregedorias dos tribunais locais.
Foi aí que nós, enquanto detentores do poder de decisão em uma democracia que se preze, começamos a questionar: Qual a razão de tamanha truculência de parte da magistratura? Existe algo que não somos dignos de saber? Por que o Poder Judiciário não pode ser fiscalizado?
Instalou-se a crise entre STF e CNJ, cujos membros passaram a trocar farpas em público e nos bastidores, além de uma sensação de insegurança jurídica gigantesca. Deu margem para pensarmos o pior sobre o Poder Judiciário. Depois de muita discussão, o STF iniciou o julgamento do mérito da ADI. Em 02.02.2012, uma decisão histórica e importante para a democracia foi tomada pela Corte Constitucional: por seis votos a cinco se decidiu que o CNJ tem, sim, o poder de fiscalizar o Poder Judiciário. O assunto, porém, não foi esgotado e no dia 08 de fevereiro se reinicia a discussão acerca de outros pontos. O mais importante, todavia, já foi decidido: o CNJ pode instaurar processos contra juízes independentemente da atuação da corregedoria dos tribunais.
A vitória é do cidadão brasileiro, vez que não existe democracia sem transparência. Se alguém fez algo contrário à lei, deve ser investigado e punido, seja quem for, por um sistema que efetivamente funcione. Como proclamou Gilmar Mendes, durante o julgamento, “Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares”.
A discussão dos últimos meses diz respeito ao Poder Judiciário, mas na verdade tem a ver com Democracia como um todo. Isso me faz lembrar das Diretas Já. Eu era muito pequena quando houve a mobilização pelo fim da ditadura e a instauração da Democracia. Só que, após a visita ao Memorial Tancredo Neves, em São João Del Rei (MG), percebi a paixão e a vontade do povo em decidir o futuro do país naquela ocasião. Quando vejo que atualmente o desejo é o mesmo, tenho muito orgulho de ser brasileira e a esperança se renova.
“Vai Passar”, de Chico Buarque, foi a canção feita para embalar os novos tempos em 1985. Tem tudo a ver com as buscas e conquistas de hoje, quase 30 anos depois. Os meios são diferentes, é verdade, mas os objetivos são os mesmos: democracia e transparência.



Ministros que votaram a favor da manutenção dos poderes investigatórios do CNJ:
Cármen Lucia
- Gilmar Mendes
- Dias Toffoli
- Carlos Ayres Britto
- Joaquim Barbosa
- Rosa Weber
Ministros que votaram contra a manutenção dos poderes investigatórios do CNJ:
Cezar Peluso
- Celso de Mello
- Ricardo Lewandowski
- Marco Aurélio Mello
- Luiz Fux