quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A mística Ouro Preto de Marília de Dirceu

Quando eu soube que teria que ir novamente a Minas Gerais fiquei entusiasmada! Muitos planos e expectativas. E adivinhe? Todas confirmadas!

Exatamente às 11 horas cheguei ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves. Uai! Estou (de novo) em Minas Gerais. Depois de dois dias cumprindo compromissos e me deliciando com a gastronomia mineira em BH, rumo a Ouro Preto.

Queria ter conhecido a cidade - que tem o título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido pela UNESCO e foi QG da Inconfidência Mineira -, na primeira vez que fui a Minas Gerais, mas as chuvas torrenciais do início de 2012 não permitiram a ida até lá.


Fomos de carro eu e minha companheira de viagem Paula. No caminho, entre BH e Ouro Preto, paramos para um lanche no Jeca Tatu, em Itabirito, uma espécie de lanchonete com espaço cultural, recheada de quitutes tipicamente mineiros e decoração peculiar: música e literatura brasileira entre móveis antigos e galinhas (?). Degustamos o melhor pastel de angu do mundo, empadas de carne seca e suco de milho, o combustível perfeito par seguirmos viagem com energia.
Jeca Tatu: Lanchonete e Espaço Cultural em Itabirito, MG

Ao chegar em Ouro Preto imediatamente me encantei com a arquitetura: igrejas do período barroco, criadas por artistas como Aleijadinho e Ataíde, em todos os pontos da cidade, desde o mais alto (que é muito alto!) ao mais baixo, entre íngremes e estreitas ladeiras (que mantém a calçamento original de pedras). As igrejas eram construídas para homenagear os santos católicos e no período da corrida do ouro representavam a riqueza das famílias. Havia uma espécie de competição: cada família queria construir a igreja maior, mais bonita, mais rica - a maioria delas é revestida com ouro. Já a cidade tem morros altos em razão das escavações que, quando ainda eram permitidas, deixaram-na totalmente irregular, o que não interfere na sua beleza.
Igreja Nossa Senhora do Pilar, Ouro Preto

Depois de vasculhar os arredores da praça Tiradentes - onde a cabeça do mártir foi exposta em praça pública após o enforcamento -, fui procurar uma livraria para comprar livros sobre o mestre Aleijadinho e a Inconfidência Mineira. A primeira parada foi no Café e Livraria Ouro Preto, onde chamou-me a atenção o livro: Marília de Dirceu - A musa, a Inconfidência e a vida privada em Ouro Preto no século XVIII (Staël Gontijo, editora Gutemberg). Imediatamente pergunto: como assim? Marília de Dirceu existiu? Não era só o nome da musa do poeta Thomaz Antonio Gonzaga que originou aquele livro que tive que ler para o vestibular lá no "segundo grau"? "Sim, Marília de Dirceu existiu e morava ali", esclareceu-me a vendedora apontando algumas casas adiante. Imediatamente tomei o livro e trouxe comigo ao sul. Foi a lembrança mais doce da encantadora da mística Ouro Preto.

Igreja São Francisco de Assis, Ouro Preto

Marília era uma mulher a frente de seu tempo, pois apaixonara-se por um inconfidente na Vila Rica (hoje Ouro Preto) quando a sociedade passava por sérios conflitos protagonizados pela colônia portuguesa e a população colonial, pois, em que pese a abundância de ouro de antes ter começado a se esgotar, Portugal não abria mão dos pesados impostos que cobrava, fazendo com que a dívida dos mineiros para com a Coroa aumentasse consideravelmente. A camada mais alta da sociedade mineira, entre eles homens de posse, sacerdotes, intelectuais e militares, motivados pelos ideais do Iluminismo, iniciaram um levante contra o pagamento dos impostos e com a intenção de tornar Minas Gerais livre de Portugal, a Inconfidência Mineira. Foi nesse clima de crise que o poeta do Arcadismo Thomaz Antonio Gonzaga escreveu os versos que imortalizaram Marília.

Marília de Dirceu na verdade se chamava Maria Dorothea Jaquina Seixas e viveu em Ouro Preto no século XVIII. Era moça de família que muito jovem teve que auxiliar o pai na criação dos irmãos, pois a mãe falecera precocemente após o último parto. Quando jovem, frequentava a casa das tias, cujo vizinho era um juiz chamado Thomaz Antonio Gonzaga, o Dirceu. Após uma intensa troca de olhares, enamoraram-se e, sobre o muro e o chafariz do solar, trocaram juras de amor. A arma de conquista usada por Gonzaga foi a poesia.

Resolveram se casar. Após o noivado, todavia, Gonzaga foi indiciado e preso juntamente com os demais inconfidentes, pois foram delatados por Joaquim Silvério dos Reis. "Dirceu" foi exilado e partiu para a África. Acabou falecendo em 1809 e seus restos mortais estão no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto.

Durante o exílio, Gonzaga continuou escrevendo poemas para Marília e encarregou um amigo de os entregar, mas a família da moça jamais permitiu que as cartas chegassem em suas mãos. Ela, por sua vez estava desolada e havia perdido as esperanças de se casar com o seu grande amor, razão pela qual permaneceu reclusa até o fim da vida na fazenda de sua família, cuidando das irmãs e dos sobrinhos. Nunca se casou e viveu até os 85 anos sem nunca mais ter tido notícias do único amor de sua vida, cuja paixão foi eternizada em versos.

Maria Dorothea Joaquina Seixas, como bem pontuou a autora Stael Gontijo, "foi uma personagem gradiosa, que percence à história brasileira - para sempre". Ouro Preto, acreditem, fica mais encantadora quando sabemos de Marília. E de Dirceu.

"Entra nessa grande terra,
Passa uma formosa ponte, 
Passa a segunda, a terceira,
Tem um palácio defronte.
Tem o mesmo ao pé da porta
Uma rasgada janela;
É a da sala aonde assiste
A minha Marília bela."
(Marília de Dirceu, Lira 37, 2ª parte)

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