quarta-feira, 21 de março de 2012

Soberania e cerveja no país do futebol


Desde de 2003 vigora no Brasil o Estatuto do Torcedor que, além de outras determinações, proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estádios, já que não foi possível frear a violência do torcedor em dias de partida de futebol e fiscalizar a venda. Em outros países, desenvolvidos, não há esse tipo de vedação.
Quando o Brasil foi escolhido como país sede da Copa do Mundo de 2014, iniciou-se uma verdadeira corrida a fim de que sejam cumpridas todas as exigências da FIFA para o mundial, desde a organização das cidades que serão sede dos jogos até a discussão acerca da venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
O recado da FIFA foi dado por intermédio do seu secretário geral, o francês impertinente Jérôme Valcke: a venda de bebidas alcoólicas deve ser liberada nos estádios durante o mundial. Isso porque a maior patrocinadora da Copa é uma cervejaria, a Budweiser, do grupo belga-brasileiro InBev, parceira da FIFA desde 1986, cujo contrato firmado entre as partes aduz que esta deve ser a única cerveja vendida nos estádios sede da copa no mundo inteiro.
A partir da exigência da FIFA, a liberação da cerveja nos estádios virou artigo da Lei Geral da Copa e, consequentemente, assunto no país todo. O texto está sendo discutido na Câmara dos Deputados, onde o líder do governo Arlindo Chinaglia, repassando informações colhidas junto à Casa Civil, proclamou no último dia 14 que o Executivo vetaria o artigo pertinente à venda de bebidas alcoólicas. Na manhã do dia 15, porém, o deputado voltou atrás nas suas declarações. Por enquanto, a liberação de bebidas alcoólicas nos estádios faz parte da lei – e a crise nas negociações transparece.
Quem defende a venda de álcool nos estádios trata o caso não como de polícia, mas de saúde pública e educação. Considerando que boa parte do público da Copa do Mundo será formado por pessoas provenientes de países onde o consumo de cerveja é liberado, isso sem contar o rigoroso esquema de segurança preparado especialmente para o evento, acredita-se que não haverá problemas. Entretanto, o permissivo legal que contraria dispositivos do Estatuto do Torcedor, ainda que temporário, coloca em risco a soberania nacional.
Soberania é o poder do Estado dentro de seus limites. Esse poder é perpétuo, absoluto e não admite imposições, instruções ou encargos de outros. Quando o Brasil se candidatou para país sede da Copa do Mundo, tinha plena consciência da necessidade de se adequar. No entanto, a FIFA chegar ao ponto de exigir que uma lei seja mudada para que a entidade cumpra um contrato comercial – e o país se curvar a isso – é um perigoso exagero que abre precedentes.
No dia 16 de março a Presidente Dilma se reuniu com o presidente da FIFA, Joseph Blatter – ambos aliviados com a recente queda de Ricardo Teixeira do comando da CBF, que atravancava as negociações. Ao que tudo indica a Lei Geral da Copa não será mais objeto de modificação, especialmente que retire de seu texto a liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
A FIFA dá aos países o direito de sediar os jogos, faturar com turistas e outras atrações, mas em troca dita as regras do jogo. E o preço que se paga por isso é abdicar da qualidade máxima do poder social: a soberania.

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