sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Veredas Novas (Léo Rosa)


Havia um jagunço – conheci de leitura. Gostava de filosofar. Estava seguro de que pensava com os pensamentos que floresciam da própria cachola. E se gabava: “Eu sou é eu mesmo, não pertenço a razão nenhuma, não guardo fé nem faço parte.” Existia outro sujeito – esse eu conheci de vista própria – que avaliava suas ideias como boas e acabadas. Não queria misturar ideia nova, ou teria que pensar sobre coisa já pensada.
Se alcancei a um e a outro, ambos compreendem que viver é perigoso. Mas se vê que guardam diferença entre si no modo de estar nesse perigo que é a vida. O sujeito que conheci fechou-se na sua concepção de mundo, e não quer solavancar a existência. O jagunço lido sabe que “viver é um descuido prosseguido”, “viver é etcétera”.
Nisso assuntava Villa, amigo meu, quando surgiu Sthefane, amiga dele. Ela logo declara limites: “Está tudo mais delicado, estabeleci um relacionamento.” Villa, espantado, ponderou: “A mulher moderna não se inflige restrição, e certos costumes são uma armadilha.” Sthefane aquiesce, mas diz dever respeito, que alguém tem que ceder. Desfia, enfim, esses pretextos que algumas mulheres usam para justificar submissão. Villa concorda com haver respeito, mas replica: “Ninguém tem que ceder, só cabe combinar; e há um mínimo só meu que quer ser respeitado.”
Sthefane se agarrava no contrário, ainda que Villa falasse: “Se você age conforme certos costumes, você será os certos costumes; a vida tem outras coisas a se viver, nem que se as invente.” Nada. Ela queria estar nas regras mais costumeiras dos costumes do seu lugar. E buscou um argumento antigo, desses de desesperançar: o que ouvia era ideal, bonito, mas na prática não iria funcionar.
Villa se indignou: “nada de idealismo, me arredo do medíocre, busco o sensível, tento me fazer vontade de mim, não me deixo levar.” E meio vencido, completou: “Sthefane, você parece pronta entre certezas, definições.” Sthefane, por igual, deu-se por injuriada: “Não acredito que sejam costumes. São minhas convicções, princípios em que acredito.” – Mas de onde vêm essas convicções? – Não sei, mas é o que constitui a minha personalidade, o que adoto como “caminho.”
– Adota? Talvez, mas… olhe, as circunstâncias, elas nos instilam as coisas. Não é simples lidar com isso. Quero dizer: nós pensamos com o que está em nossa cabeça… o que está na nossa cabeça veio do mundo; o pensamento seguinte, é como se fosse o desdobramento do anterior… não é fácil sair do círculo vicioso. – Acha que não sei pensar? – Todos sabemos. Não se trata de não saber, mas de se estar avisado. É difícil a crítica de si próprio. – Em algum momento temos que formar nossas opiniões, fixá-las, ter algo em que acreditar. – Olha, opiniões, crenças… há que tê-las, mas há que saber que são provisórias.
Ambos seguramente entenderam: acabara a conversa. Um certo silêncio, Sthefane pensou alto: “Tudo isso é muito subjetivo.” Villa obrigou-se a responder: “Exatamente, mas a nossa subjetividade é constituída pelas circunstâncias em que vivemos; se não nos cuidamos, reproduzimos essas circunstâncias, acabamos cativos delas.”
Então, já depois do fim, Sthefane ainda falou: “Olha, não quero mudar nada, só quero ser feliz do jeito que sou, e eu decido se quero mudança.” Villa, distraído, rematou: “Eu minto que tenho um primo, o Guimarães. Ele conta que um cara disse que pra ter coragem de buscar veredas novas só temos que temer o próprio medo, e que o medo agarra a gente é pelo enraizado. Bem, você decide se quer mudar.”

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